segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A solidão necessária

O homem tem medo do seu 'desconhecido' interior
Por muito tempo a solidão foi tratada como algo ruim ao ser humano, definida como “vazio interior”, associada ao isolamento de pessoas e até diagnosticada como doença. Toda definição de solidão como algo plenamente negativo está equivocada. O ser humano, por natureza, tende a ser para os outros, a se relacionar e a viver em sociedade, mas também tem necessidade de estar consigo mesmo, de viver uma solidão necessária.

Não me refiro aqui ao isolamento patológico, aquele que surge mais como sintoma de uma enfermidade e que não pode ser definida apenas como um sentimento, como é o caso da depressão, por exemplo, visto que esta deve ter o acompanhamento profissional e tratamento médico.

O homem moderno é um fugitivo, talvez a grande causa desse problema esteja na fuga de si mesmo, na incapacidade de estar a sós. Ele foge de uma solidão que quer lhe fazer bem.

Muitas pessoas evitam uma solidão que lhes permite estar consigo mesmas, fogem então da possibilidade do encontro, da cura, do autoconhecimento. Geralmente fugimos de algo que nos assusta, daquilo que não queremos enfrentar e que nos causa dor e tristeza.

Ainda quando crianças tínhamos medo do escuro ou dos “monstros” que poderiam surgir dos lugares mais bizarros de nossa casa, enfim, tínhamos o medo do misterioso e das fantasias criadas por nossos pais e por pessoas com as quais convíviamos. O homem moderno continua temendo o desconhecido, no entanto, este não está nem tanto no exterior ou nas fantasias criadas pelos outros; o homem, ainda que inconscientemente, tem medo do seu “desconhecido” interior, de mergulhar nas profundezas do seu ser, e como a solidão é a porta para adentrar no desconhecido do seu “eu”, o homem cria mecanismos de defesa, entra no “agito”, no trabalho frenético, nas “baladas” sem fim, na busca desenfreada por dinheiro, sexo, diversão, tudo isso como medo de si mesmo.

Existe uma solidão necessária para o homem como alternativa da busca de si mesmo, mas não para se encerrar em si, mas para transcender, pois o ser humano, por si só, também é um poço de limites, entregue a si mesmo ele também não se satisfaz, mas sua finitude o impulsiona para o infinito. E aqui entra a maravilhosa descoberta filosófica – e por que não teológica - de Santo Agostinho: Noli foras ire, in teipsum redi: in interiore homine habitat veritas. Em português: “Não vá fora, entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade”.
No seu pensamento, Santo Agotinho, doutor da Igreja, percebe que quanto mais o homem fica no exterior, tanto mais esvazia-se de si mesmo; ao contrário, quando este entra em si mesmo, recolhendo-se em sua intimidade, é justamente aí que encontra Deus. Então, constatamos que o segredo para o ser humano é a intimidade consigo e com o seu ser espiritual.

Esse grande santo da Igreja não entende o homem espiritual como aquele que rejeita as coisas materiais, o homem espiritual, para ele, é antes de tudo aquele que tem a capacidade de mergulhar na sua alma e ali encontrar o Senhor, que faz morada na alma do homem.

No entanto, muitos de nós hoje não compreendemos isso, a nossa ideia de Deus lá nos céus, incapaz de ser alcançado, muitas vezes, é objeto do temor de entrarmos em nós mesmos e de nos conhecermos. Por isso, muita gente, quando foge da solidão, foge de si mesma e, por consequência, foge do encontro com o Todo-poderoso.

Existe em nós uma abençoada solidão, aquele “vazio” interior que não é algo ruim, mas sim, o convite do próprio Deus para O encontrarmos num lugar em nosso interior, no qual somente Ele habita. E ali é só Ele e você, nada e ninguém mais, silêncio e diálogo (oração). Todo homem recebe este convite, mas poucos respondem a ele.

Portanto, nem toda solidão deve ser curada e reprimida, há a solidão como condição necessária para o encontro; esta deve ser vivida.




Daniel Machado
Comunidade Canção Nova
07/05/2010 - 08h00

Servir e aceitar o outro

Um reflexo da nossa mania de grandeza
Uma das realidades mais sérias que trazemos em nós, fruto do pecado original, é a mania de grandeza e a sede pelo poder. Como, dentro de nós, grita uma grande vontade de querermos ser os maiores diante dos outros!

Jesus – muito bem dito isso pelo apóstolo Paulo aos Filipenses – mostrou o itinerário de como sermos grandes, ou seja, o Senhor não se apegou à Sua condição divina, mas assumiu a humanidade de todos nós e esvaziou-se, sendo obediente até a morte e morte de cruz. Este é o caminho.

Na Igreja de Jesus existe – caso contrário seria anarquia – a disciplina e a autoridade; para Cristo, e consequentemente para a Igreja, a autoridade significa serviço, doação da vida aos outros. O maior é aquele que serve, pois há mais alegria em dar do que em receber.

Hoje em dia, muitas pessoas se encontram cegas pelo poder, achando que o poder seja capaz de fazê-las felizes. Pura ilusão, pois a felicidade consiste em darmos a vida pelos outros, procurando sempre estar em último lugar, cedendo o melhor para o outro.

Uma pergunta muito séria é esta, e precisamos respondê-la: estou buscando a autoridade fora de mim, pois dentro do coração nada há pelo fato de eu não estar servindo? Ou minha vida, pela simples atitude de serviço, faz com que eu saboreie a autoridade?

Pelo batismo recebemos essa autoridade e temos de colocá-la a serviço; caso contrário, precisamos buscar fora a autoridade que está em nós e que, nós, a qualquer custo, se preciso for, destruímos o outro para chegar a nossos objetivos.

Uma outra coisa muito séria é quanto ao fato de aceitarmos quem pensa diferente de nós. João e Tiago se enfureceram com aqueles que estavam profetizando em nome de Jesus, mas não O seguiam. ( conf. Lucas 9,46<Somos, também, filhos do trovão; queremos que tudo esteja dentro do nosso monólogo; no qual pensamos que Deus vai fazer o que nós queremos e do jeito nosso.

João e Tiago queriam pôr fogo em tudo; na verdade, destruir e terminar sempre foi mais fácil nesta vida; para tudo. Difícil é virmos com novas ideias e projetos e delicadeza de pensamento. Destruir sempre foi mais fácil; difícil é vir com projetos claros.

Como é difícil conviver e amar aquelas pessoas que pensam diferente de nós, agem de forma diferente, comungam de ideias opostas às nossas! E, muitas vezes, em vez de fazermos dessas diferenças oportunidades de aprendermos e crescermos com elas, nos afastamos delas [pessoas que pensam diferente de nós] pelo preconceito e as rotulamos.

Que Deus Nosso Senhor nos dê a graça de nos colocarmos a serviço uns dos outros e de aceitarmos aquele que pensa, age e se porta diferente de nós.





Padre Marcos Pacheco
Comunidade Canção Nova
01/10/2010 - 08h10